A região de Tabatinga, Letícia e Santa Rosa virou um dos corredores mais estratégicos do crime organizado na América do Sul. Facções brasileiras disputam território e ampliam a violência na Amazônia.
A tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia é um dos territórios mais sensíveis da América Latina. Localizada às margens do rio Solimões, ela conecta Tabatinga (Brasil), Letícia (Colômbia) e Santa Rosa (Peru), três cidades separadas por poucos minutos de barco, mas unidas por uma dinâmica criminosa que movimenta bilhões de reais anualmente.
Essa área tem se tornado cada vez mais estratégica para facções brasileiras, especialmente o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), que disputam o controle das rotas de escoamento da cocaína produzida nos Andes. A ausência histórica do Estado, a facilidade de circulação e o comércio fluvial tornam a região um ponto-chave para o crime transnacional.
A região funciona como porta de entrada da cocaína produzida no Peru e na Colômbia — dois dos maiores produtores do mundo — para o território brasileiro. A partir dali, as drogas seguem por rotas fluviais até Manaus e depois são distribuídas para o Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, chegando aos grandes centros consumidores e portos de exportação.
Além da posição geográfica privilegiada, a região conta com pouca fiscalização, longas áreas de selva, aldeias isoladas e numerosos rios que permitem transporte rápido e discreto. Isso facilita o trabalho de organizações criminosas que dominam barcos, caminhos clandestinos e até pistas clandestinas na floresta.
Nos últimos anos, a tríplice fronteira se tornou palco de confrontos entre facções pelo controle das rotas. O Comando Vermelho, originário do Rio de Janeiro, tem expandido agressivamente sua influência na Amazônia, adotando um modelo de “franquias” locais.
O PCC, por outro lado, busca controlar o atacado do tráfico, priorizando parcerias com grupos regionais e evitando disputas abertas. Mesmo assim, a competição entre as duas facções desencadeou uma escalada de violência no Alto Solimões, incluindo assassinatos, desaparecimentos e ataques direcionados.
Essa disputa se intensificou especialmente entre 2023 e 2025, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que aponta Tabatinga como uma das cidades mais violentas da Amazônia Legal.
A tríplice fronteira atravessa territórios indígenas onde, historicamente, a presença estatal é frágil. Facções criminosas têm explorado essas regiões para instalar laboratórios, pistas clandestinas e rotas de transporte. Em alguns casos, indígenas são aliciados pelo crime organizado — seja por falta de alternativas econômicas, seja por coerção armada.
Lideranças denunciam ainda a presença de garimpeiros ilegais e grupos estrangeiros, como dissidências das Farc e o Tren de Aragua, que operam no entorno das aldeias, ampliando riscos ambientais e sociais.
A principal via de circulação da droga na região é o rio Solimões. Barcos pequenos e de alta velocidade navegam entre Tabatinga e Manaus transportando cargas misturadas a mercadorias comuns, como alimentos, gás e produtos industrializados.
O controle das embarcações garante vantagens às facções: quem domina os portos informais controla também a cobrança de taxas, a circulação de armas e até o movimento de pessoas. A ausência de fiscalização sistemática permite que toneladas de drogas passem despercebidas ao longo do ano.
A guerra pela tríplice fronteira afeta profundamente a vida das comunidades. A presença de grupos armados amplia o medo, limita o deslocamento de ribeirinhos e afeta o comércio. Jovens são aliciados como “olheiros” e transportadores, enquanto pequenos comerciantes sofrem com extorsões e imposição de regras do crime organizado.
Escolas, postos de saúde e serviços públicos enfrentam dificuldade de funcionamento. Em várias áreas, o poder do Estado é substituído pela autoridade das facções, que impõem normas, toques de recolher e até regras de convivência.
A tríplice fronteira é hoje um dos maiores desafios de segurança pública do Brasil. O controle das rotas do tráfico não apenas alimenta a violência local, mas também abastece redes criminais que atuam em grandes centros urbanos.
Enfrentar esse problema exige cooperação internacional, presença permanente do Estado, fortalecimento da vigilância fluvial e integração entre forças policiais dos três países.
Sem isso, o crime organizado continuará usando a Amazônia como corredor livre — e a tríplice fronteira seguirá sendo um dos principais epicentros da violência na América do Sul.
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