O Brasil figura constantemente entre os países mais empreendedores do mundo. Pesquisas do Global Entrepreneurship Monitor mostram que cerca de um terço da população adulta está envolvida em algum tipo de negócio próprio, seja por necessidade, seja por oportunidade. Esse vigor criativo, no entanto, esbarra em um sistema que parece mais disposto a punir do que a incentivar quem decide abrir empresa. A cada ano, milhões de CNPJs nascem e morrem em poucos meses, vítimas da burocracia, da carga tributária confusa e do crédito escasso.
Essa contradição revela um paradoxo central: somos um povo com vocação empreendedora, mas presos a um ambiente hostil para quem quer transformar ideias em negócios sustentáveis. Entender por que empreender no Brasil continua sendo tão difícil é fundamental para pensar caminhos de transformação e para que o país consiga, de fato, transformar sua energia criativa em desenvolvimento.
Segundo dados recentes do Sebrae, as micro e pequenas empresas representam mais de 90% dos negócios no país e são responsáveis por cerca de 30% do PIB nacional. Além disso, garantem mais da metade dos empregos formais no Brasil. Esses números revelam o papel central que o pequeno empreendedor desempenha não apenas na economia, mas também na coesão social, funcionando como válvula de escape em momentos de crise do emprego formal.
A pandemia de Covid-19 evidenciou ainda mais essa tendência. Milhares de brasileiros perderam seus empregos e encontraram no empreendedorismo uma saída. Houve um boom de registros de microempreendedores individuais (MEIs), especialmente em setores como alimentação, beleza, tecnologia e serviços digitais. Muitos desses negócios nasceram da necessidade, mas com potencial de se tornarem oportunidades sólidas de inovação e geração de renda.
Apesar dessa vitalidade, a burocracia continua sendo um dos maiores entraves para quem decide empreender. O Banco Mundial já apontou o Brasil entre os países onde abrir e manter um negócio exige mais tempo e etapas do que a média internacional. Mesmo com avanços recentes, como a digitalização de processos, ainda é comum que empresários gastem semanas apenas para obter autorizações básicas.
Essa complexidade tem efeitos práticos devastadores. Enquanto em países desenvolvidos é possível formalizar uma empresa em poucas horas, no Brasil muitos empreendedores desistem no meio do caminho. O excesso de formulários, órgãos distintos e exigências redundantes contribui para que parte significativa da economia permaneça na informalidade.
O sistema tributário brasileiro é considerado um dos mais complicados do mundo. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), o empresário brasileiro gasta em média mais de 1.500 horas por ano apenas para cumprir obrigações fiscais. Em comparação, a média mundial é inferior a 300 horas. Essa diferença mostra como a multiplicidade de impostos, com regras que variam entre União, estados e municípios, gera custos de tempo e dinheiro que sufocam os pequenos negócios.
Embora regimes simplificados como o MEI e o Simples Nacional tenham representado avanços importantes, eles têm limites. Muitos empreendedores que crescem precisam migrar para regimes mais complexos e acabam enfrentando uma carga administrativa e tributária que os desestimula. A transição entre os regimes é tão difícil que, muitas vezes, quem ultrapassa o limite do Simples acaba preferindo permanecer informal a enfrentar o novo fardo.
Apesar das dificuldades, o Brasil tem buscado alternativas. A digitalização de serviços públicos, como os portais de abertura rápida de empresas, já reduziu o tempo de registro em algumas capitais para menos de uma semana. O crescimento do MEI também democratizou o acesso à formalização, permitindo que milhões de trabalhadores autônomos tenham CNPJ e acesso a benefícios previdenciários.
Outro caminho promissor é a reforma tributária, em fase de implementação. Se aplicada corretamente, pode reduzir a sobreposição de impostos, eliminar a cobrança em cascata e dar mais previsibilidade aos empreendedores. Além disso, parcerias entre empreendedores em forma de cooperativas ou associações têm permitido ganhos de escala na compra de insumos e no acesso a crédito. Essas redes mostram que a coletividade pode ser uma ferramenta poderosa contra as limitações impostas pelo sistema.
Um dos pontos mais críticos para a sobrevivência dos negócios é a falta de preparo em gestão. Pesquisas indicam que boa parte das empresas fecha as portas antes de completar cinco anos por erros básicos de administração financeira, ausência de planejamento ou falhas em estratégias de marketing. Isso mostra que não basta ter boa ideia: é preciso ter conhecimento técnico e visão de longo prazo.
Nesse cenário, programas de capacitação se tornam fundamentais. O Sebrae, universidades e até iniciativas privadas oferecem cursos de gestão, inovação e tecnologia. Além disso, cresce a demanda por que a educação básica incorpore desde cedo conceitos de empreendedorismo, economia e cidadania financeira. Empreender, afinal, não é apenas abrir uma empresa, mas desenvolver competências que servem para a vida inteira.
Empreender no Brasil é, ao mesmo tempo, um ato de coragem e de resistência. Apesar das dificuldades impostas pela burocracia e pela tributação confusa, milhões de brasileiros continuam apostando em si mesmos como alternativa de renda e futuro. A vocação empreendedora do país é inegável, mas precisa de condições melhores para florescer.
Superar os obstáculos exige medidas estruturais: simplificação tributária, digitalização completa de processos, linhas de crédito acessíveis e valorização da educação empreendedora. Só assim o Brasil poderá transformar o empreendedorismo de necessidade em empreendedorismo de oportunidade — e finalmente alinhar seu potencial criativo com um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social.
O Parlamento Brasil nasceu como um espaço de diálogo inovador, integrando política, sociedade e negócios.